27 Março 2012
Pesquisa da Unicamp revela que fatores culturais podem fazer com que adolescentes com orientação homossexual tenham a saúde mental mais fragilizada que adolescentes heterossexuais. De acordo com a psicóloga Daniela Barbetta Ghorayeb, autora da tese “Homossexualidades na adolescência: saúde mental, qualidade de vida, religiosidade e identidade psicossocial”, orientada pelo professor Paulo Dalgalarrondo, o preconceito sofrido pelos adolescentes está entre um dos fatores de risco para a saúde mental. “Não podemos dizer que o preconceito é causa determinante de pior saúde mental, mas o identificamos como fator de risco”, diz Daniela.
A reportagem é de Maria Alice da Cruz e publicada pelo Jornal da Unicamp, 26 de março a 8 de abril de 2012.
A psicóloga acrescenta que uma das finalidades desse estudo, assim como de outros dois, de mesmo desenho, desenvolvidos no Laboratório de Saúde Mental e Cultura da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, é avaliar o impacto da discriminação na saúde mental de sujeitos de orientação homossexual.
De modo geral, 40% dos adolescentes homossexuais manifestaram prevalência de transtornos mentais, contra 20% do grupo controle. O transtorno depressivo maior e o risco de suicídio estão entre os fatores preocupantes para os especialistas. De acordo com os resultados da pesquisa, obtidos em entrevistas realizadas com adolescentes selecionados por Daniela, 35% dos sujeitos que se identificaram como homossexuais apresentaram transtorno depressivo maior em algum momento da vida. Entre entrevistados do grupo controle (heterossexuais), apenas 15% apresentaram depressão. Quanto ao risco de suicídio, 10% dos adolescentes homossexuais demonstraram tendência em algum período da vida. Daniela esclarece que o grupo controle é pareado por idade, escolaridade e gênero.
Se a formação da identidade naturalmente é algo complexo ao longo da adolescência, quando vem acompanhada de temor ao preconceito e às dificuldades nas relações sociais, pode tornar-se uma fase de sofrimento. De acordo com Daniela, especialista no atendimento a adolescentes, a busca por serviços de saúde mental é maior (62,5%) entre adolescentes homossexuais. “O problema se acentua com as mudanças naturais ocorridas nesta fase da vida”, salienta. Mesmo apresentando uma porcentagem menor, a procura por cuidados especializados também é grande entre adolescentes heterossexuais (47,5%), conforme a pesquisa. Ela explica que quando decidiu estudar a homossexualidade na adolescência, partiu primeiramente da reflexão sobre a sexualidade nesta fase da vida de maneira geral. A transformação do corpo da infância para a adolescência representa uma série de ganhos, mas também perdas e conflitos, como um sentimento de perda da condição infantil, segundo a pesquisadora.
Num estudo anterior, realizado com adultos de orientação homossexual, Daniela descobriu que o impacto do preconceito na saúde mental é diferente entre homens e mulheres. Na própria cultura brasileira, o contato afetivo entre mulheres é visto com naturalidade, mas entre homens, sejam homo ou heterossexuais, o afeto é visto com preconceito. “Em nossa cultura, a proximidade física entre mulheres é vista como expressão de carinho apenas. Há uma relação mais afetiva. Quando se pensa em duas mulheres juntas é como se aquilo não fosse tão escandaloso. Existe uma tolerância maior do que em relação aos homens”, explica.
Família
O acolhimento do adolescente homossexual por parte da família funciona como fator de proteção em relação ao preconceito. “É importante que a família aceite a diferença sem julgar, pois o adolescente que tem respaldo familiar pode sofrer menos fora de casa. Não se sente desconstruído como sujeito”, explica Daniela.
Por outro lado, muitos manifestam o medo de a família sentir-se envergonhada por conta da orientação sexual. Quando decidem se assumir para a família, os adolescentes podem experimentar sentimento de menos valia, de acordo com o recente estudo. A psicóloga observou que 35% internalizam o sentimento de vergonha da orientação sexual a partir da suposição de que o outro está sentindo vergonha deles. “Eles tomam para si a vergonha que supõem causar no outro. Isso é chamado de internalização da homofobia. Assim como internalizamos coisas positivas e negativas que vêm das relações que estabelecemos, seja em família ou num grupo social. No sentido do preconceito, é como se a violência própria da homofobia se tornasse uma marca que pode fazer com que o sujeito sinta-se sempre à margem, rejeitado”, explica.
Especialistas falam em geração pós-gay
Quem se dispõe a estudar adolescentes tem de estar preparado para surpresas, na opinião de Daniela. Nas entrevistas, um número grande dos entrevistados se recusou a responder sobre sua orientação sexual, por não quererem ser enquadrados em nenhum grupo. Segundo a psicóloga, eles são de uma geração que não aceita mais ser rotulada como gay, bissexual, homossexual, heterossexual, mas sim ser tratada como João, Maria, Beatriz, seja qual for o nome de batismo. Segundo o especialista inglês Philip Hammack, estudado por Daniela, esses adolescentes representam a geração “pós-gay”, que, ao contrário de adultos com orientação homossexual, não têm a sexualidade como o cerne de suas identidades.
“Esses adolescentes vivem numa atualidade que nos apresenta muitos e novos elementos no desenvolvimento e constante transformação da identidade. Como fator marcante tem-se a internet, por exemplo, que é um dos leques que se abrem”, declara Daniela. Para ela, do ponto de vista do desenvolvimento sexual e da liberdade de experimentação, as transformações da cultura constituem uma nova visão de mundo.
A psicóloga espera que os resultados de seu trabalho, armazenados em um banco de dados eletrônico, sirvam para entender os fatores que afetam a saúde mental dos adolescentes, minimizar preconceitos e estereótipos e valham como motivação para o desenvolvimento de futuros estudos. Segundo a psicóloga, a linha de trabalho do laboratório de Saúde Mental e Cultura lança mão de diversas áreas de conhecimento, como a antropologia social, integrando teorias e pesquisas, demonstrando com clareza a dialética que existe entre a formação do sujeito, sua saúde mental e sua inserção na sociedade.
Daniela pontua que a homossexualidade foi tirada completamente do manual de classificação de transtornos mentais em 1986. “É assunto ainda difícil de tratar. Porque há pouco tempo, a ideia era outra”, reflete. Ela estima a necessidade de algumas décadas para que haja a mudança de paradigmas na sociedade, pois a psiquiatria brasileira ainda está no início de seus estudos associando saúde mental de homossexuais a fatores culturais. Em apresentação dos resultados do doutorado na Escócia e na Inglaterra, a pesquisadora observou a naturalidade dos especialistas ao se referir à homossexualidade. “O discurso deles flui de forma menos estigmatizada. No Reino Unido, há muita pesquisa sobre o assunto, então isso muda tudo. Ao contrário do que acontece no Brasil, as reações são diferentes quando se fala sobre o assunto”, reforça.
Para ela, o conhecimento sobre as questões já diminui a ignorância e fornece para as pessoas a chance de repensar aquilo que tinham em mente. O trabalho é importante não só para psicólogos ou psiquiatras, mas para todos os profissionais de saúde, que, conhecendo melhor essa população, podem cuidar melhor do paciente, na opinião da autora da tese. “Tendo informações e quebrando seu próprio preconceito em relação a essa população, este profissional tem condições de realizar o cuidado de forma mais sensível e completa”, deseja Daniela.
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Preconceito pode afetar saúde mental de adolescente homossexual, aponta tese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU